A regulação estatal no Brasil é eficaz, mas a CVM enfrenta limitações devido à falta de recursos, afirma o professor Luís André Azevedo, da FGV.
A Operação Disclosure, conduzida pela Polícia Federal (PF) para investigar a antiga gestão do Grupo Americanas, destacou dificuldades e limitações na regulamentação do mercado financeiro brasileiro. De acordo com especialistas e o órgão regulador estatal, existem vários fatores que dificultam a supervisão de balanços contábeis e governanças de grandes empresas.
Os entrevistados mencionaram a necessidade de equilíbrio entre regulamentação estatal e autorregulação; conflitos de interesses na autorregulação; sofisticação de fraudes empresariais; e orçamento inadequado e falta de pessoal no órgão regulador estatal como desafios significativos.
A investigação da Disclosure envolve o ex-CEO Miguel Gutierrez e a ex-diretora Anna Cristina Ramos Saicali, suspeitos de participar de uma fraude que gerou um prejuízo superior a R$ 40 bilhões. A revelação da fraude levou a uma queda de mais de 90% no valor das ações da companhia.
CVM
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, é responsável por fiscalizar o mercado de valores mobiliários, incluindo a divulgação de informações e a aplicação de penalidades. A CVM reconhece que seu orçamento é limitado. Dos R$ 330 milhões de dotação orçamentária, R$ 300 milhões são destinados a encargos fixos, restando R$ 30 milhões para despesas discricionárias.
A CVM sugere que poderia utilizar os recursos da taxa de fiscalização cobrada aos regulados para seu financiamento. Essa taxa gera uma arrecadação anual superior a R$ 1 bilhão, além de cerca de R$ 1 bilhão em multas e contrapartidas, que são direcionados ao Tesouro Nacional, deixando a CVM com um orçamento de R$ 330 milhões.
Além das restrições orçamentárias, a CVM enfrenta uma insuficiência de pessoal. A autarquia tem buscado junto ao Executivo a aprovação de um Anteprojeto de Lei de Fortalecimento, que inclui o aumento do quadro de pessoal.
Estado e mercado
O professor Luís André Azevedo, da FGV Direito/SP, explica que, além da regulação estatal pela CVM, o mercado de capitais no Brasil conta com a autorregulação das próprias empresas.
A CVM combate práticas como o insider trading, um dos crimes investigados no caso Americanas. Azevedo afirma que, apesar de limitações orçamentárias, a CVM realiza uma boa fiscalização do mercado.
A autorregulação envolve controles internos nas empresas para prevenir fraudes por meio da governança corporativa. No caso das Americanas, esses controles se mostraram insuficientes.
Fraude estruturada
O professor Gilberto Braga, do Ibmec, explica que fraudes contábeis são geralmente descobertas durante auditorias aleatórias. No caso do Grupo Americanas, uma equipe estruturada dificultou a detecção das irregularidades.
As investigações indicam que um grupo de alto escalão estava envolvido na manipulação dos números. Braga ressalta que, apesar de os sistemas de detecção terem falhado, não é possível identificar culpados específicos, pois todos os órgãos envolvidos seguiram as regras legais da companhia.
Conflito de interesses
O Grupo Americanas tinha uma cultura de alta cobrança de resultados e recompensas para funcionários, o que pode ter incentivado práticas irregulares. Os executivos recebiam bônus em ações, gerando uma corrida por performance.
Azevedo destaca que a autorregulação pode ser influenciada por conflitos de interesses, onde as empresas podem ter incentivos para permitir comportamentos nocivos que trazem ganhos de curto prazo.
Braga compara a situação dos executivos da Americanas a pessoas que contraem empréstimos para pagar dívidas anteriores, aumentando a fraude ao longo do tempo sem conseguir revertê-la.
Auditorias
As auditorias independentes PwC e KPMG, que revisaram as contas das Americanas entre 2017 e 2022, negam falhas em seus procedimentos. Em depoimento na CPI das Americanas, Fábio Cajazeira Mendes, da PwC, e Carla Bellangero, da KPMG, mencionaram a dificuldade em detectar a fraude devido à falsificação de documentos e omissão deliberada de informações.
A atual diretoria das Americanas alega que foi vítima de uma fraude pela antiga gestão. A empresa afirma estar colaborando com as investigações e fornecendo documentos às autoridades.